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Celular, vagina e boca. O que isso pode interessar ao processo penal?

Na sociedade complexa e violenta que vivemos, a ideia de combate à impunidade, aliada ao avanço tecnológico, promove práticas investigativas que permeiam o cotidiano da população, das mais variadas classes e regiões.

Circular de carro pela cidade, visitar um parente preso ou fazer uso de um smartphone, são situações que podem acabar sendo alvo de uma investigação, o que justifica a pergunta feita no título e que pretenderemos abordar neste espaço, em diferentes textos a serem publicados.

Para a sessão de hoje escolhemos o seguinte aspecto.

Vivemos em uma sociedade patriarcal marcada pela opressão do masculino sobre o feminino que produz padrões de comportamento, via de regra, castradores da liberdade sexual e afetiva das mulheres. Nesse cenário é muito comum a cultura de que a mulher, no primeiro encontro, não se sinta à vontade para efetivar uma relação sexual. Quantas leitoras fariam sexo em um segundo encontro? Pensemos, então, nas leitoras que teriam coragem de transar no terceiro encontro. Já seria um número um pouco mais expressivo.

Imaginemos agora uma situação diferente. Dessas mulheres (ou mesmo homens) que transariam em um terceiro encontro, quantas (ou quantos) entregariam o seu celular desbloqueado para essa pessoa com quem recentemente vêm saindo?  Ou ainda, quem entregaria o celular aberto, com acesso a todos os aplicativos como WhatsApp, Facebook, e mails, talvez tinder, etc., a alguém com quem se relaciona há um ano?

Seguramente a constatação é que raramente as pessoas franquearão seus celulares. A conclusão é que na era digital parece ser mais fácil penetrar na vagina das pessoas que em seus dispositivos móveis.

Diz a Constituição que a casa é o asilo inviolável das pessoas. Todavia, atualmente talvez se tenha mais medo de uma quebra de sigilo telefônico do que uma busca domiciliar. Todas estas comparações nos permitem perceber o quanto o tema do sigilo das comunicações nos é importante.

Não que a boca ou a vagina não o sejam. De igual modo, a inspeção vaginal que pode ocorrer durante uma visita em presídios, ou o exame de bafômetro durante uma blitz policial da Lei Seca podem ilustrar muito bem os constrangimentos que tais práticas representam e o quanto boca e vagina devem ser respeitados e protegidos como expressões de nossa intimidade e privacidade.

A partir dessa ideia inicial, em outras publicações, iremos indicar como o processo penal se relaciona com estes aspectos da vida das pessoas no intuito de buscar provas para elucidar possíveis crimes. De todo modo, é preciso alertar desde já que se pretendemos uma sociedade com o mínimo de civilidade, não podemos admitir práticas invasivas, sejam em celulares ou nas dimensões corporais, sem rigoroso respeito às leis e à Constituição, ainda que a sede de vencer a impunidade seja grande. 

André Nicolitt é Doutor em Direito pela Universidade Católica Portuguesa, Mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e Juiz Titular do Juizado de Violência Doméstica em São Gonçalo.

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