Movimento

Luta antimanicomial completa 36 anos ainda com desafios

Data é marcada por busca de direitos e novas formas de cuidados

Hospital Psiquiátrico de Jurujuba passa por reestruturação após encerramento das atividades
Hospital Psiquiátrico de Jurujuba passa por reestruturação após encerramento das atividades |  Foto: Péricles Cutrim
 

O direito a tratamentos dignos e a não exclusão da sociedade marcam o Dia da Luta Antimanicomial, celebrado nesta quinta-feira (18). Apesar do fim dos manicômios, proibidos por lei, especialista ressalta que a lógica manicomial extrapola os muros dos hospícios.

Antes do movimento, o modelo predominante de tratamento em saúde mental eram os manicômios, onde as pessoas com sofrimento psíquico eram internadas e submetidas a práticas violentas, como eletrochoques, contenções físicas e isolamento.

O Movimento da Reforma Psiquiátrica se iniciou no final da década de 1970, e conquistou por meio das Leis Federais 8.080/1990 e 8.142/90, a rede de atenção à saúde mental, juntamente com a criação do SUS (Sistema Único de Saúde).

Essas leis atribuíram ao Estado a responsabilidade de promover um tratamento em comunidade, substituindo a internação e o isolamento, e permitindo a livre circulação dos pacientes.

Para isso, foram criados diversos serviços, como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), os Centros de Convivência e Cultura, as Unidades de Acolhimento (UAs) e os leitos de atenção integral nos Hospitais Gerais e nos Caps III.

Além disso, medidas de integração social, atividades musicais, oficinas terapêuticas e outras abordagens não medicamentosas passaram a ser reconhecidas como formas de tratamento complementares à abordagem medicamentosa.

A psiquiatra Mayara Cezario explica que, apesar do avanço, a lógica manicomial extrapola os muros dos hospícios, tornando o manicômio não somente um lugar mas sim a perpetuação de práticas que excluem da sociedade as pessoas com transtorno mental. Ainda de acordo com a médica, historicamente o local foi onde tudo aquilo que não era desejado pela sociedade era “escondido e esquecido”. 

"Colocar um fim nas práticas manicomiais é mais do que um avanço, é uma necessidade. Entretanto, precisamos ter cautela ao entender que assistência hospitalar não necessariamente significa seguir uma lógica manicomial e que “derrubar muros” não significa acabar com esta prática", diz Mayara Cezario.

Expansão

O Ministério da Saúde vai ampliar no Sistema Único de Saúde (SUS) os investimentos destinados para atendimento das pessoas com sofrimento ou transtorno mental ou com necessidades de atendimento decorrentes do uso de álcool e outras drogas. 

Serão R$ 21,3 milhões na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), além de R$ 9 milhões para os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), ambientes localizados em espaço urbano para responder às necessidades de moradia de pessoas com problemas de saúde mental que estiveram longo tempo institucionalizadas. 

Também serão investidos outros R$ 9 milhões nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), serviços de saúde de caráter aberto e comunitário, voltados aos atendimentos de pessoas com sofrimento psíquico ou transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras substâncias.

Caps da Alameda, no Fonseca, em Niterói
Caps da Alameda, no Fonseca, em Niterói |  Foto: Lucas Alvarenga
  

 O Ministério da Saúde vai habilitar ainda 49 novos leitos de saúde mental em hospitais gerais, com investimento de R$ 3,2 milhões ao ano. 

Fim dos manicômios no Rio

Hospital psiquiátrico de Jurujuba, em Niterói
Hospital psiquiátrico de Jurujuba, em Niterói |  Foto: Péricles Cutrim
  

Depois de quase um século em funcionamento, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS-Rio) encerrou as atividades do último manicômio do Rio de Janeiro, o Instituto Municipal de Assistência à Saúde (Imas) Juliano Moreira,  conhecido pelo nome de Colônia Juliano Moreira, no dia 27 de outubro do ano passado.

Na época, a Prefeitura do Rio definiu, em nota, que o fechamento da unidade foi um 'marco' na luta antimanicomial. “Com isso, o Município do Rio conclui o processo de desinstitucionalização de pacientes psiquiátricos, um marco da luta antimanicomial e contra o estigma da loucura no país", disse.

Seguindo os passos da capital, a Prefeitura de Niterói também encerrou as atividades do Hospital Psiquiátrico de Jurujuba (HPJ), que passa atualmente por um processo de reestruturação e é utilizado somente para assistência.

 O Executivo disse ainda que no município, há uma expansão no setor que teve impacto no fechamento de mais de 130 leitos psiquiátricos em manicômios nos últimos anos.

 Em agosto de 2018, as atividades de duas clínicas psiquiátricas de Niterói conveniadas ao SUS foram encerradas: as da Casa de Saúde Frederico Leomil e as da Casa de Saúde Alfredo Neves. Atualmente, o município possui 76 pacientes em 11 serviços de Residência Terapêutica. 

No momento, há cinco pacientes de longa permanência no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba (HPJ) e a previsão é que eles sejam transferidos para moradia em Residências Terapêuticas ainda neste ano.

A unidade atende emergências psiquiátricas da cidade, com funcionamento 24h, exercendo um acolhimento humanizado. As internações, quando necessárias, são de breve duração e os pacientes são encaminhados para continuidade da assistência nos serviços da Rede de Saúde Mental, como os Centros de Atenção Psicossocial, Residências Terapêuticas e Ambulatórios. O Serviço de Emergência Psiquiátrica acolhe casos de crise e intenso sofrimento psíquico, circunstâncias de risco e alta vulnerabilidade.

A unidade também possui o perfil ambulatorial com o Ambulatório de Atenção Psicossocial, que oferece assistência especializada em psiquiatria, psicologia, e acompanhamento comunitário de moradores da região. 

O hospital conta ainda com o Núcleo de Atividades Coletivas e Cultura (NACC), responsável pela inserção dos pacientes em atividades de geração de renda (bazar, culinária, artesanato), atividades culturais (visita a teatro, shows, cinema) e passeios turísticos. 

Além disso, o HPJ mantém atividades de ensino e formação profissional e estágios de graduação através de convênios com diversas universidades. As oficinas de artes como via de tratamento também são oferecidas no Hospital de Jurujuba, que conta com iniciativas voltadas para a literatura, artes plásticas e música para reinserção social. 

A secretária municipal de Saúde da cidade, Anamaria Schneider, conta que atualmente são 76 usuários em 11 serviços de Residência Terapêutica. Já em são Gonçalo, 86 moradores são abrigados nas dez residências terapêuticas que constam no município.

A Luta Antimanicomial surgiu em 1987 e é um movimento que reestruturou a Saúde Mental, saindo da lógica do manicômio e dando prioridade à Rede de Atenção Psicossocial. A internação deve ser de curta duração e como último recurso em casos de urgência. Medidas de integração, atividades musicais e oficinas passaram a ser consideradas tratamentos, além da atuação medicamentosa.

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