Descaso

Mais de 500 famílias são despejadas de condomínio em São Gonçalo

Polícias Federal e Militar atuam no local; não houve confronto

Policial conversa com moradores durante a saída, que não foi tumultuada
Policial conversa com moradores durante a saída, que não foi tumultuada |  Foto: Péricles Cutrim
  

“Aonde vamos morar?” Essa é a frase de desespero dita por cerca de 2 mil pessoas de 500 famílias que foram despejadas de um condomínio do programa Minha Casa, Minha Vida em Santa Isabel, São Gonçalo, nesta sexta-feira (19). 

Crianças, gestantes e idosos foram retirados após uma determinação de reintegração de posse da Justiça em favor da Caixa Econômica Federal. As polícias Federal, Civil e Militar atuam no local e as pessoas estão deixando os prédios de forma pacífica. 

O conjunto residencial estava abandonado desde 2019 pela Caixa, por isso, as centenas de pessoas começaram a ocupar os prédios. Muitas dessas pessoas estavam sem moradia devido a enchentes que destruíram várias casas em São Gonçalo no início deste ano. 

Eliane Torres, de 54 anos, morava no local há dois meses com uma amiga e uma criança de 11 anos, neta dessa amiga. Ela teve sua casa anterior, que ficava no Sacramento, destruída pela chuva. 

Sem ajuda

“Os prédios aqui estavam vazios e abandonados. Perdemos as coisas na minha casa anterior por causa da chuva e aqui estava vazio e abandonado. Para onde vamos agora? Ontem a Polícia Militar já veio e hoje tivemos que sair com tudo às pressas. Não temos para onde ir. Tem muita gente aqui, gente acamada, gente com criança e mandaram a gente sair nas pressas hoje de manhã. É um absurdo! Viemos aqui, cuidamos do espaço, tinha mato, colocamos água e luz, a Caixa podia fazer um acordo com a gente que aceitaríamos, mas nem isso eles ofereceram”, afirmou ela que não recebe nenhum auxílio financeiro dos órgãos públicos, nem mesmo o Bolsa Família. 

A doméstica Márcia de Oliveira, de 42 anos, deixou o apartamento onde morava com a filha grávida e a neta de quatro anos. Elas formam uma das famílias desalojadas no ocorrido. 

“Estou aqui desde o começo. Ontem [quinta], a Polícia Militar veio aqui e ficou desde cedo. Hoje [sexta], falaram que tínhamos que sair. Estamos tirando tudo o que podemos. Eu não queria morar de graça, queria legalizar, mas nem isso a Caixa ofereceu, só mandou que fôssemos embora. Estão nos tratando como se fôssemos lixo, bichos. A gente cuidou, colocou luz, capinamos aqui e agora nos tiram assim”, afirmou ela emocionada. 

Segundo moradores, conjunto estava abandonado há pelo menos quatro anos
  

Segundo informações de membros da associação de moradores do bairro, algumas famílias que não tem para onde ir seguirão para uma igreja da região. Muitas pessoas passaram mal durante o momento em que foram desalojadas. O cenário no rua que fica de frente para os prédios era de diversos eletrodomésticos e móveis pelas calçadas e pessoas sentadas no chão em desespero pensando como serão suas vidas daqui para frente. 

Caminhão de mudança com os móveis dos moradores na porta
Caminhão de mudança com os móveis dos moradores na porta |  Foto: Péricles Cutrim
  

As pessoas deixaram os prédios de forma pacífica, sendo assistidas pelo advogado Alessandro Diniz, pela Prefeitura de São Gonçalo e pelo deputado estadual Professor Josemar (Psol). 

Claudineia Rodrigues de Almeida, de 44 anos, é presidente da associação de moradores do Anaia. Ela informou que os oficiais de Justiça vieram há mais de um mês e notificaram que eles deveriam sair na data de hoje. 

“É uma situação difícil. A maioria das pessoas são do Ipuca, do Bumba, do Salgueiro e há alguns meses eles entraram aqui e eu fiquei sabendo que tinham crianças brincando aqui. Quando eu cheguei, vi que eram famílias, tem gente aqui que nem tem cobertor. É triste! Tem pessoas aqui que vão sair para morar em igrejas, mas a gente sabe que eles não vão poder ficar para sempre, tem gente morando aqui que já morou na rua”, afirmou ela.

Segundo ela, em maio, responsáveis vieram notificar e colocaram em cada bloco do conjunto residencial uma intimação para a desocupação dos imóveis dando a data de dia 19/05, mas, como eles ainda estavam tentando recorrer judicialmente, eles aguardaram. Foi isso também o que explicou o advogado dos moradores Alessandro Diniz, advogado dos moradores. Segundo ele, houve uma violação dos direitos humanos dos moradores.

 “O homem, segundo a Constituição, não pode ficar abandonado e é provado no processo que esses imóveis estavam abandonados desde 2019. Quem ocupou aqui, fez obras, e foram pessoas que vieram de casas destruídas por enchentes. Houve um processo de retomada, de reintegração de posse da Caixa, mas todos merecem ser ouvidos e isso não foi feito. Esse processo caminhou a passos rápidos. O juiz, ao invés de ouvir as pessoas para fazermos uma tese de defesa, para que fosse negociado um aluguel social, uma realocação das pessoas, isso não foi feito. Ninguém aqui queria invadir, as pessoas queriam pagar, serem incluídas no programa social, e nada disso foi considerado. Ao invés de ouvirem as pessoas, deram ordem para retirá-las”, afirmou ele. 

Desde esta quinta, o advogado está tentando derrubar a liminar da Caixa Econômica. “Eles deveriam ter, no mínimo, um prazo digno para saírem daqui e nem isso houve”, afirmou ele.

A Caixa Econômica Federal esclareceu que o empreendimento Residencial Cidade Verde, contratado no âmbito do Programa MCMV – Recursos FAR, localizado em São Gonçalo (RJ), estava ocupado irregularmente, tendo sido adotadas as medidas judiciais cabíveis para a reintegração de posse das unidades.

O banco acompanhou a reintegração de posse cumprida nesta data pelas autoridades competentes, o que permitirá que seja dado prosseguimento ao processo de retomada das obras para conclusão e entrega aos legítimos beneficiários, de acordo com as regras do Programa.

A Prefeitura de São Gonçalo informou, por meio de nota, que foram abertos três pontos para a realização dos cadastros das famílias atingidas pelas chuvas no início do ano, com equipes trabalhando, inclusive, durante todo o carnaval.

Até o momento, segundo o município, 278 famílias já receberam o Auxílio Habitacional Temporário. A Defesa Civil realizou 570 interdições.

"As famílias que ainda não receberam o benefício estão com pendências nas documentações. A Secretaria de Assistência Social está de prontidão para auxiliar todas as famílias", esclareceu. O órgão não respondeu, no entanto, se as famílias que deixaram o local serão encaminhadas para abrigos do município.

TRF2 pede manifestação do MPF

A desembargadora federal Vera Lúcia Lima, da 6ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), emitiu uma ordem urgente para encaminhar dois recursos ao Ministério Público Federal (MPF) a fim de tentar suspender a reintegração de posse do conjunto habitacional Residencial Cidade Verde, em São Gonçalo. Os recursos incluem um da Defensoria Pública da União (DPU) e outro de pessoas que ocupam ilegalmente 500 apartamentos no empreendimento. Ambos foram apresentados na quinta-feira, 18/5.

No despacho assinado nesta sexta-feira (19), a desembargadora solicitou a manifestação do MPF, levando em consideração "as peculiaridades do caso concreto" e sua "relevante repercussão social". Após receber a resposta do MPF, a desembargadora tomará uma decisão em relação aos pedidos apresentados nos recursos.

A reintegração de posse foi determinada pelo juízo da 5ª Vara Federal de São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro. A primeira instância havia solicitado à Polícia Militar e à Polícia Federal que elaborassem um plano coordenado para a remoção segura dos invasores até o dia 18. Também foi solicitado à Secretaria de Estado de Interesse Social e ao Conselho Tutelar que acompanhassem o caso.

A ação, cujo mérito ainda será julgado em primeira instância, foi movida pela Caixa Econômica Federal (CEF), que possui a posse direta do empreendimento, composto por 800 apartamentos financiados pelo programa Minha Casa Minha Vida. De acordo com informações do processo, a construção foi contratada à J.C. Cordeiro Engenharia. No entanto, devido a violações contratuais e abandono do local da obra, o banco rescindiu o contrato com a construtora em 2019 e, desde então, a construção estaria paralisada.

Em sua decisão liminar que determinou a reintegração de posse, o juiz de primeira instância observou que a prefeitura de São Gonçalo já havia realizado o devido cadastro e sorteio das famílias que receberiam as unidades habitacionais do programa do Governo Federal.

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