Polícia

Assassinatos sem respostas em Niterói e Maricá

O ano de 2019 foi marcado por crimes bárbaros executados contra jornalistas e até contra um vereador de Maricá. Isso sem contar o assassinato do líder religioso, pastor Anderson do Carmo, marido da deputada federal Flordelis. Meses depois e os crimes permanecem sem solução. No caso dos jornalistas Robson Giorno e Romário Barros, o prefeito de Maricá chegou a encaminhar um ofício à Secretaria de Estado da Polícia Civil cobrando rigor e celeridade nas investigações.

Com a justificativa de correr sob 'sigilo de justiça', familiares aguardam na angustia sem saber a decorrência das investigações e temem por suas próprias vidas.

Giorno

Apesar de advogado. Robson Giorno atuava em um veículo de comunicação em Maricá. Foto: Arquivo

Seis meses depois do assassinato envolvendo o pai de família, advogado e empresário Robson Giorno, de 45 anos, a morte do dono do jornal O Maricá permanece um mistério. O empresário foi executado a tiros na porta de casa, na Estrada do Boqueirão, Região Central de Maricá, tudo o que a Secretaria de Estado de Polícia Civil revela até então é que 'as investigações estão em andamento na Divisão de Homicídios e correm sob sigilo'. 

Na época do crime, a delegada Bárbara Lomba afirmou que o assassinato foi planejado. A equipe entendia que a vítima foi levada para fora de casa - por volta de 22h, do dia 25 de maio, e que o crime teria sido realizado por criminosos que fizeram diversos disparos a bordo de um carro.

Segundo ela, de forma introdutória, a investigação buscava entender com quais pessoas a vítima se relacionava. Lomba chegou a declarar ainda à época, na sede da distrital, que toda a reconstrução dos passos de Giorno seria feita posteriormente pela Polícia, mas nenhum reconstituição foi realizada.

Romário

A morte brutal do jornalista Romário Barros, de 31 anos, em 18 de junho deste ano, entrou para a lista de casos envolvendo assassinatos em Maricá que também carece de esclarecimentos por parte da Polícia Civil. Ele foi executado dentro do próprio carro, em Araçatiba.

Imagens registraram o momento do assassinato do jornalista. Imagens: Reprodução de vídeo

Na época do crime, câmeras de segurança da região flagraram a ação feita em questão de segundos, por uma pessoa que sai de dentro de um outro veículo - ao que parece, na companhia de um comparsa que conduzia o veículo. 

Assim como Robson Giorno, o jornalista Romário Barros também atuava em site de notícias como foco acontecimentos de Maricá, por um período de nove anos.

Questionada sobre a demora em tornar clara as motivações para o crime e quais seriam os verdadeiros responsáveis pela execução de Romário, apesar de um vídeo com o registro do flagrante, a Polícia Civil se limita a informar que “as investigações estão em andamento”.

A Prefeitura de Maricá, por sua vez, considerou 'inaceitável' o crime e na ocasião o prefeito Fabiano Horta (PT) anunciou que cobraria respostas junto aos órgãos de investigação, que jamais retornaram as exigências do prefeito. 

Ismael Breve

O vereador Ismael Breve de Marins (DEM) foi morto a tiros junto ao filho na madrugada de 22 de agosto em Maricá, dentro da própria casa no bairro Zacarias. Em análise preliminar feita pela DH de Niterói, o verdadeiro alvo do ataque pode ter sido o filho do parlamentar, o advogado Thiago André Marins. 

Na época, equipes da especializada realizaram buscas e verificaram que a casa não aparentava sinais de vasculhamento - como é comum em tentativas de latrocínio.

O delegado Leonan Calderaro, responsável pela investigação do caso, chegou a dizer que solicitaria câmeras de segurança instaladas na cidade, para ajudar o andamento dos trabalhos. No entanto, até o momento, não há informações sobre presos.

Pastor Anderson

Pastor Anderson do Carmo, marido da deputada Flordelis, foi encontrado morto na garagem da casa onde residia. Foto: Arquivo

Já foram várias as reviravoltas desde a morte do pastor Anderson do Carmo, marido da deputada federal e cantora gospel Flordelis dos Santos (PSD-RJ), executado a tiros dentro de casa, na Região de Pendotiba, em Niterói, na madrugada de 16 de junho. O caso ganhou repercussão nacional e ainda assim não há um prazo para resolução, visto a demora no percurso do processo que assim como os outros corre em segredo de Justiça. 

Inicialmente, o crime era apontado como um possível caso de tentativa de assalto, a partir de relatos feitos pela própria família da vítima. No entanto, com o decorrer das investigações, houve um primeiro e revelador capítulo de muitos que viriam pela frente: os filhos do casal Anderson e Flordelis; Flávio dos Santos Rodrigues e Lucas Cezar dos Santos de Souza foram indiciados por homicídio qualificado em 14 de agosto. Logo após, o Flávio teria confessado à Polícia que foi o autor dos disparos. 

A Polícia Civil informou na época que o inquérito instaurado para desvendar a morte do pastor já havia sido entregue ao Ministério Público Estadual, sem revelar detalhes. A delegada Bárbara Lomba, disse, na ocasião, que o documento também pedia a prisão preventiva dos filhos da parlamentar, que já estão presos, em caráter temporário. 

De lá para cá, ocorreram diversos trâmites, até que no dia 21 de setembro aconteceu a reconstituição do caso no local do crime, para que os depoimentos sobre o assassinato do pastor Anderson pudessem ser confrontados.

A delegada Bárbara Lomba afirmou, após a finalização dos trabalhos de sua equipe, que houve contradições entre depoimentos quando comparados com a reconstituição feita na companhia dos demais intimados. Os réus Flávio e Lucas, optaram por não fazer parte da remontagem. 

O imbróglio familiar sobre o homicídio de Anderson está estacionado desde a audiência de instrução ocorrida no Fórum de Niterói, no final de outubro, onde cerca de 30 pessoas prestaram depoimento. Flordelis não participou da audiência, uma vez que usou a  prerrogativa como parlamentar para prestar depoimento em Brasília, em data ainda não divulgada.

A audiência de instrução foi necessária para que a juíza Nearis dos Santos Carvalho Arce pudesse deliberar se os irmãos Flávio e Lucas seriam levados a júri popular ou se seriam absolvidos diante das provas ou depoimentos apresentados. O caso, portanto, segue sob sigilo e a Polícia Civil ainda se recusa a revelar maiores detalhes a cada vez que é questionada. 

Prazos

Conforme o Art. 10 do Código de Processo Penal, um inquérito policial deve terminar em dez dias se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou se estiver preso de forma preventiva; pelo prazo de 30 dias, quando o acusado estiver solto, por meio de pagamento de fiança ou sem ela.

Ainda assim, delegados podem pedir um prazo maior para elucidar casos, o que pode acarretar em inquéritos de longa duração .

De acordo com o especialista em Segurança Pública da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), Roberto Kant de Lima, os códigos brasileiros trabalham com prazos relativos. 

"Não existe nada que termine no prazo que está escrito, a não ser naqueles casos muito excepcionais. É estranho porque está na lei, mas não acontece", ressalta.

Para Kant, os casos dos últimos meses têm um perfil comum por se tratar de pessoas públicas e politizadas, "que de certa maneira poderia incomodar e implicar nas relações de poder", opina. 

"Os prazos correm para as partes envolvidas [acusados, testemunhas e etc], mas não correm para o Estado. O juiz e o delegado sempre podem alegar que precisam de mais tempo. Podem solicitar ao Ministério Público prorrogação... Quem não pode são as partes em que o processo se desenvolve", finaliza.

OAB

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção Maricá, que após as mortes divulgou nota oficial "exigindo das autoridades a tomada de providências cabíveis para elucidação dos fatos e punição exemplar dos culpados, nos termos da lei vigente", disse continuar apurando o andamento dos casos, por meio da Comissão de Direitos Humanos.

"A OAB já fez um manifesto pra solicitar celeridade, mas por enquanto nada aconteceu. A DH investiga muitas áreas e isso gera uma certa lentidão que pra gente é ruim, uma vez que Maricá é uma cidade tecnicamente menor em relação as outras, e isso gera atrasos. Além dos jornalistas, um advogado morreu e isso é muito preocupante para todos nós. A gente não fica satisfeito", contou o presidente da OAB Maricá, Eduardo Carlos. 

Abraji

Procurada, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) disse que permanece acompanhando as investigações dos casos envolvendo os dois jornalistas junto às autoridades. 

Afirma, também, que ainda não considera existir informações conclusivas a respeito da relação entre os crimes envolvendo os profissionais e as atividades das vítimas no âmbito do jornalismo/comunicação, uma vez que os processos correm em segredo de justiça.

Caso sejam confirmadas as ligações, as ocorrências podem vir a ser incluídas no Programa Tim Lopes, criado em 2017 com apoio da Open Society Foundations com o objetivo de acompanhar investigações de assassinatos, tentativas de assassinato e sequestros de jornalistas e dar continuidade às reportagens interrompidas por criminosos com o intuito de impedir a sua publicação.

Homicídios

Segundo dados revelados pelo Governo do Rio, no último dia 26, os homicídios dolosos caíram 21% no Estado ao longo dos últimos dez primeiros meses de 2019, em relação ao mesmo período do ano passado, o que representa 884 mortes a menos. De janeiro a outubro deste ano, foram registradas 3.342 vítimas, contra 4.226 em 2018. Esse é o menor número de vítimas para o acumulado do ano desde 1991.

O indicador estratégico crimes violentos letais intencionais (homicídio doloso, roubo seguido de morte e lesão corporal seguida de morte) também segue a tendência de queda: diminuição de 18% em relação outubro de 2018 (71 vítimas a menos) e de 22% em comparação com o acumulado do ano (952 mortes a menos). 

Em Niterói, conforme o Instituto de Segurança Pública, de janeiro a outubro de 2019 foram registrados 82,8% casos de tentativa de homicídio a mais do que todo o período do ano passado. Foram 234 notificações, contra 128 (em 2018). Somente no último mês, foram somadas 17 ocorrências. Já em outubro do ano passado, apenas três.

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