Sem saída

Futuro comprometido: operações policiais impactam estudantes no Rio

Mais de 80 mil alunos foram afetados no mês de março

Estudantes se protegem de tiroteio no Complexo da Maré
Estudantes se protegem de tiroteio no Complexo da Maré |  Foto: Reprodução
 

As recentes operações policiais que aconteceram no mês de março, no Rio, deixaram marcas permanentes que vão além de buracos nas paredes. Na educação, por exemplo, mais de 80 mil alunos de colégios municipais, instalados em locais considerados de risco, sofreram com o costumeiro combate entre as autoridades e criminosos.

Na última quinta-feira (30), equipes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) realizaram uma operação na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, Zona Norte. A ação dos agentes durou dois dias, afetando a rotina dos estudantes que, na semana, só tiveram três dias de aula. Segundo a Secretaria de Educação, 15 unidades ficaram fechadas e mais de três mil alunos foram afetados.

Para o pedagogo e professor da rede pública Luan Sávio, de 34 anos, já era esperado que essa guerra gerasse um impacto direto no aprendizado dos alunos e na rotina familiar.

"A iminência de operações policiais no entorno da escola criam um clima de medo, insegurança e incerteza que influencia toda a comunidade escolar e interfere na rotina das famílias. Na Prefeitura do Rio, as escolas asseguram três refeições aos estudantes e a falta de aula pode comprometer a própria alimentação. As horas de aula de diversas disciplinas acabam não sendo asseguradas", ressalta.

Secretaria de Educação do Rio informou que 80.289 alunos foram afetados do dia 1° até 29 de março
  

Esses efeitos negativos vão ser espalhados em diferentes campos de aprendizado, como explica o profissional. Por exemplo, uma criança na alfabetização que não pode frequentar as aulas, acaba tendo problemas para desenvolver essa fase educativa.

Todos perdem, seja na educação infantil, primeiro ou segundo segmento do ensino fundamental. Cada ano da escolarização dá ênfase a saberes que fazem sentido na próxima etapa e se conectam à vida de maneira geral Luan Sávio, pedagogo e professor da rede pública
  

O professor ainda destaca que essa metodologia de repressão ao tráfico de armas e drogas afeta diretamente o ensino público. 

"Operações policiais em áreas ditas conflagradas ignoraram a rotina da população do entorno. No que se refere à escolarização, a mim, parece um fato que produz sucateamento do ensino público, gratuito e universal, visto que compromete o acesso regular dos estudantes", frisa.

Tática de refúgio

Operação no Complexo da Penha
Operação no Complexo da Penha |  Foto: Marcelo Tavares
  

Para o antropólogo e capitão veterano do Bope Paulo Storani, de 60 anos, a metodologia adotada pela polícia de tentar evitar ações nas proximidades das instituições de ensino foi aproveitada pelos criminosos. 

"O que as instituições policiais têm adotado é evitar operações em horários de entrada e saída dos turnos escolares, e ações próximas às escolas. Mas, sabendo disso, os criminosos passaram a utilizar estes espaços como abrigo ou pontos de venda", ressalta.

Segundo Storani, quanto maior o domínio dos territórios em comunidades, por parte de grupos criminosos, mais letal será a abordagem policial.

"Quanto maior o controle do território, entenda-se de forma mais violenta, mais graves serão os resultados das operações policiais, consequentemente afetarão todas as atividades sociais da comunidade, inclusive a escolar", reconhece o especialista.

Recorte social

Para o sociólogo Rafael Mello, já está comprovado, estatisticamente, que o aprendizado no Rio sofreu um declínio
Para o sociólogo Rafael Mello, já está comprovado, estatisticamente, que o aprendizado no Rio sofreu um declínio |  Foto: Reprodução
  

De acordo com o sociólogo Rafael Mello, de 45 anos, já está comprovado, estatisticamente, que o aprendizado no Rio sofreu uma queda pelas constantes interrupções das operações policiais.

"Já está sendo muito prejudicada a educação das crianças e adolescentes, como, por exemplo, uma queda de aprendizado de 64% em português, ou seja, mais da metade do que deveria ser aprendido foi perdido", destaca.

Para Mello, um recorte dessa situação comprova que existe um projeto de exclusão social que faz parte de uma estrutura do processo histórico brasileiro, onde dignidade e cidadania tem CEP e cor de pele.

"Onde ocorrem as operações mais violentas são em regiões onde a maioria das pessoas são pobres e a maioria dos estudantes são negros. Com isso se aumenta muito o abismo social, aumentando a desigualdade social e de oportunidades. O mais importante é o Estado enxugar gelo numa tentativa de mostrar força. E acaba que não resolve o problema da violência e ainda causa outro muito grande", opina.

O especialista destaca que a política de segurança pública do estado é um fracasso. 

"Criam estigmas sociais nas pessoas que moram nessas regiões, sem falar, também, que é um risco ainda maior contra a vida dos profissionais de segurança, não a toa temos a polícia que mais mata e que mais morre. Isso não quer dizer que não deva existir combate às organizações criminosas, muito pelo contrário", acrescenta. 

Mas, para combatê-las, seria necessário ações de inteligência, associadas com operações em fronteiras e no combate ao tráfico internacional de drogas e armas, além, é claro, de políticas de desenvolvimento social e de justiça social, para o desenvolvimento humano e regional Rafael Mello, sociólogo
  

Março letal

Mês foi marcado por diferentes operações policiais
Mês foi marcado por diferentes operações policiais |  Foto: Marcelo Tavares
  

O mês de março foi marcado por frequentes operações em áreas escolares. No dia 2, imagens publicadas nas redes sociais mostram crianças de uma escola municipal, no Complexo da Maré, Zona Norte do Rio, deitadas nos corredores da instituição para se protegerem dos tiros. Uma operação da Polícia Civil acontecia no local.

Ao todo, conforme a Secretaria de Educação, 41 escolas precisaram ser fechadas. Cerca de 70% dos alunos da rede municipal, entre escolas e creches, foram afetados.

Operação no Salgueiro
Operação no Salgueiro |  Foto: Marcelo Eugênio
  

No Salgueiro, em São Gonçalo, uma operação conjunta do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar e da Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais (Core) da Polícia Civil, no dia 23, deixou 13 mortos. Sete escolas precisaram ficar fechadas, impactando mais de 1,8 mil alunos da rede municipal.

No dia seguinte, em pontos distintos, uma operação na Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio, afetou o funcionamento de sete escolas da região. Neste, um total de 1.835 alunos não puderam comparecer às aulas.

Já no dia 27, outra operação na Vila Kennedy, Zona Oeste do Rio, com objetivo de reprimir movimentações de criminosos, crimes de roubos de carga e veículos nos acessos à comunidade, deixou mais de cinco mil alunos da rede municipal sem aula e 13 escolas ficaram fechadas.

Na última quinta-feira (30), equipes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) realizaram uma operação no Complexo da Penha, na Zona Norte do Rio. De acordo com a corporação, o objetivo foi buscar criminosos de outras regiões do Brasil que possam estar escondidos dentro das comunidades cariocas. A ação durou dois dias, mais de três mil alunos foram afetados e 15 unidades escolares precisaram ser fechadas.

Todas as operações foram realizadas em horários de entrada e saída de alunos em escolas. As policiais Civil e Militar não retornaram sobre um balanço de operações no mês e nem sobre um possível planejamento para evitar que essas ações policiais não afetem o âmbito escolar.

O que diz as secretarias de Educação?

Crianças deitadas no chão durante operação no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo
Crianças deitadas no chão durante operação no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo |  Foto: Redes sociais
  

A Secretaria de Educação do Rio enviou uma nota informando que de 1°a 29 de Março, 242 unidades escolares foram impactadas por operações policiais ou confrontos, afetando 80.289 alunos. A pasta,  em parceria com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, instituiu, em 2017, o Programa Acesso Mais Seguro, que tem como um dos objetivos reduzir os impactos da violência externa junto às escolas municipais com orientações e procedimentos para a proteção da comunidade escolar.

"Com base no protocolo, em um momento de confronto nos arredores das unidades escolares, são tomadas providências com o intuito de preservar a segurança de alunos, professores, funcionários, pais e responsáveis. Significa que uma escola, seguindo o protocolo, se tiver o indicativo de que não há condições mínimas de segurança da comunidade escolar, não deverá funcionar ou poderá interromper as aulas", pontuou. 

O protocolo Acesso Mais Seguro vigora em escolas municipais, no entorno e nas áreas mais conflagradas da cidade. O protocolo também orienta para que se mantenha o foco na Educação, mantendo o desempenho escolar e garantindo o direito à Educação.

A Secretaria de Educação de São Gonçalo informou que, na última operação policial realizada no Complexo do Salgueiro, sete escolas municipais da região ficaram um dia sem funcionar para garantir a segurança dos alunos e funcionários. Ao todo, 1800 alunos ficaram sem aulas.

"A secretaria salienta que, quando acontecem operações na região em horário escolar, os alunos são levados a um local seguro da escola e só saem da unidade com o responsável, quando a situação está controlada e segura", diz a nota.

Diálogo entre governos

Governador garantiu que pretende aumentar o diálogo com os governos municipais para garantir a proteção das instituições
Governador garantiu que pretende aumentar o diálogo com os governos municipais para garantir a proteção das instituições |  Foto: Péricles Cutrim
  

O governador Cláudio Castro comentou, em coletiva na última quinta-feira (30), sobre as ações policiais que aconteceram nas comunidades nos últimos meses e afetaram a rotina dos estudantes.

"Avisamos que o Rio seria uma universidade do crime caso não agíssemos e fomos criticados por isso. Quando acontece da gente ver outros estados olhando pro Rio, a gente vê que precisa muito do auxílio do governo federal", iniciou. 

Ele ainda acrescentou que pretende aumentar o diálogo com os governos municipais para garantir a proteção das instituições.

"A gente vai aumentar esse diálogo com os municípios para que a gente consiga proteger as escolas, principalmente as crianças. A intenção é ouvir os profissionais de educação, eles têm a experiência de dentro da escola, então com essa integração a gente visa deixar as escolas menos vulneráveis", destacou.

< Policial que matou cinegrafista tem prisão preventiva decretada capa 030423 <