Grave

Intolerância religiosa: Rio registra pelo menos três casos por dia

Caso de Fred Nicácio no BBB 23 chamou atenção para o problema

Decradi registro um aumento nas denúncias de crimes de Intolerância Religiosa
Decradi registro um aumento nas denúncias de crimes de Intolerância Religiosa |  Foto: Lucas Alvarenga
 

O Big Brother Brasil, reality show da TV Globo, recentemente foi palco de intolerância religiosa contra um dos participantes. Três brothers associaram a religião de Fred Nicácio, adepto do Ifá, culto tradicional Iorubá, a algo ruim e temeroso. O assunto chegou a ser alvo de um discurso do apresentador Tadeu Schmidt.  Segundo o Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio, mais de três casos de intolerância religiosa são registrados por dia. 

Nicácio, formado em Medicina, foi eliminado na última terça-feira (28). Durante o programa Rede BBB, ele pode rever a conversa entre Key Alves, Gustavo e Cristian. O ex-BBB chegou a chorar.

“Isso é muito sério. Isso machuca muito! Isso mata pessoas do Brasil inteiro, destrói fé, aniquila pessoas. É muito grave. São três pessoas brancas falando sobre isso, então você vê que é além da intolerância religiosa. É racismo religioso”, refletiu o médico.

O médico Fred Nicácio passou por episódio de intolerância dentro da casa mais vigiada do Brasil
O médico Fred Nicácio passou por episódio de intolerância dentro da casa mais vigiada do Brasil |  Foto: Rede social
  

O ENFOCO procurou a delegada Rita de Cássia, titular da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) do Rio, para entender mais sobre o termo usado pelo médico, e quais as penalidades.

"Qualquer conduta preconceituosa e discriminatória em relação à religião ou credo é considerado crime de intolerância religiosa, cuja descrição encontra-se na Lei 7716,  conhecida como Lei de Racismo, com pena de dois a cinco anos", explicou.

Dados levantados pela Decradi apontam um aumento anual no índice de denúncias desde quando a delegacia foi inaugurada. Segundo o levantamento, cerca de 47 registros de intolerância religiosa foram registrados durante 2019. O último, em 2022, registrou 80 denúncias.

"As vítimas devem procurar uma delegacia de polícia e noticiar o fato a fim de que seja iniciada investigação e identificado o agressor. A Polícia Civil do Estado do Rio conta com uma unidade especializada no atendimento de vítimas dessas condutas discriminatórias, que é a Decradi, inaugurada no ano de 2018", orientou.

'Disse que eu gostava de macumba e deu o tiro'

Vítima ficou com uma bala alojada no pescoço e outra no maxilar
Vítima ficou com uma bala alojada no pescoço e outra no maxilar |  Foto: Lucas Alvarenga
  

Um episódio de intolerância religiosa e transfobia terminou com uma mulher trans, identificada como Nycolle Dellveck, de 25 anos, baleada em Niterói, na Região Metropolitana do Rio.

Tudo aconteceu quando ela, junto de uma amiga, estavam saindo do trabalho e tentaram pegar um mototáxi, que era seu conhecido.

"Eles falaram que não levavam “viado” na moto. A gente estava saindo do trabalho para ir embora. Na segunda (21), eu desci para a rua para trabalhar. Aí ele me encontrou e falou que tínhamos que desenrolar essa discussão de domingo e eu disse: 'Peraí, que eu tenho que acender um cigarro na encruzilhada para começar o dia de trabalho", relatou.

Esse foi só o primeiro ataque, o segundo veio logo após: "Ele perguntou se eu gostava de fazer macumba e indagou se eu estava bem protegida. Foi quando eu disse que 'graças a Deus e aos meus orixás eu estou protegida'. Ele deu a volta, foi no ponto de mototáxi, colocou o filho dele para pilotar a moto e veio na garupa. Eu estava agachada acendendo o cigarro, ele parou a moto e já mostrou a arma e disse que eu gostava de fazer macumba, e deu o tiro".

Dellveck foi baleada no rosto e ficou internada no Hospital Estadual Azevedo Lima (Heal) por dois dias, devido à gravidade dos ferimentos. Ela ficou com uma bala alojada no pescoço e outra no maxilar.

Três casos por dia

De acordo com o último levantamento feito pelo Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio, mais de três casos de intolerância religiosa são registrados por dia.

"Combater a intolerância religiosa, é preciso defender os direitos individuais, promover o acesso à informação, com conhecimento, discussões e debates, além de lutar por políticas públicas que estimulem a tolerância e a liberdade. Precisamos resistir, denunciar e lutar. Essa tem sido a história dos que defendem a ampla tolerância e respeito às comunidades religiosas", reforçou Lorrama Machado, coordenadora da Comissão de Combate às Discriminações da Alerj.

A Comissão de Combate às discriminações da Alerj está à disposição de toda a população, trabalhando com atendimento às vítimas de intolerância religiosa e racismo. Em caso de violência, a vítima pode entrar em contato pelo WhatsApp denúncia (021) 98523-6346. 

"Uma interpretação distorcida acerca da liberdade tem induzido determinados grupos à prática de violência. Liberdade religiosa não é uma permissão para a agressão deliberada contra grupos ou pessoas, nem é uma licença para a destruição de espaços e objetos de culto de outras religiões. Liberdade religiosa é uma garantia de que as pessoas possam praticar a sua fé e celebrar os seus rituais, desde que respeitem a prática da fé e a celebração dos outros. Liberdade não é para agredir e destruir, mas sim para conviver, respeitar e construir a paz social", complementa Ivanir dos Santos, interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa.

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