Uma mãe de santo alega ter sido impedida de prestar atendimento religioso a um paciente no Hospital Estadual Carlos Chagas, em Marechal Hermes, na Zona Norte do Rio de Janeiro, na noite desta quarta-feira (2).
Até uma viatura da Polícia Militar foi acionada na ocasião, segundo a religiosa Ana Paula Santana de Souza, conhecida como Iya Paula de Odé. O caso foi registrado na 30ª DP (Marechal Hermes) e é investigado como intolerância religiosa.
"A gente não quer problema. Em contrapartida, já chamaram a patrulhinha pra gente, né. Porque pra nós, povo de axé, chama a patrulha. Se fosse um padre, se fosse um pastor, não iria ter nada disso", denunciou em vídeo.
O ritual religioso seria feito em um homem, de 39 anos, que está em estado grave após um Acidente Vascular Cerebral (AVC) que sofreu no dia 31 de outubro. Ele é filho de santo de Ana Paula.
Iya Paula de Odé relatou, em depoimento, que apenas sua advogada teve permissão para entrar no hospital. E também contou que o diretor comunicou que a receberia apenas nesta quinta (3) de manhã para decidir se o ritual aconteceria ou não.
"Eu teria que fazer um ebó, passar um pano, um murim branco em qualquer parte dele [do filho de santo]. O hospital não quis nem saber como seria para facilitar", explicou.
A Lei Federal nº 9.982 de 14/07/2000, no entanto, assegura o livre acesso de líderes religiosos aos hospitais da rede estadual e privada para dar atendimento aos internados. O Código Penal prevê multa e detenção a quem impeça a prática de culto religioso.
A Comissão de Combate às Discriminações e Preconceitos de Raça, Cor, Etnia, Religião e Procedência Nacional da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) afirmou ao ENFOCO que já oficiou a Secretaria Estadual de Saúde (SES) para que seja cumprida a lei da assistência religiosa nos hospitais.
E que também solicitou, no documento, que seja criada normativa para ser fixada nas unidades estaduais informando a laicidade do estado brasileiro. Além disso, uma reunião também foi convocada com o secretário da pasta.
"Que se faça cumprir a lei. Uma religião não pode ser melhor do que a outra. Todas precisam ter o mesmo direito. A lei permite essa entrada de qualquer ministro religioso no espaço hospitalar. Isso foi passado pra ela", explicou Lohama Machado, coordenadora da Comissão das Discriminações da Alerj.
A direção do Hospital Estadual Carlos Chagas informou, por meio de nota, que todos os representantes religiosos têm acesso às dependências da unidade, seguindo o que determina a lei que regulamenta essas visitas.
"De acordo com a Lei nº 9.982 de 14/07/2000, o artigo 2º estabelece que os religiosos chamados a prestar assistência devem, em suas atividades, acatar as determinações legais e normas internas de cada instituição hospitalar, a fim de não pôr em risco as condições do paciente ou a segurança do ambiente hospitalar", alegou.
Além disso, segundo o hospital, a visita do religioso precisa ser autorizada pela família ou pelo paciente.
"Na noite de quarta-feira, a representante religiosa não estava acompanhada por familiares do paciente, que está internado em estado grave, sedado, na UTI da unidade, onde o horário de visita é 13h", explicou.
Conforme a assessoria de imprensa da Secretaria Estadual de Saúde, "o chefe da equipe médica informou os termos da legislação à representante religiosa e solicitou que ela retornasse à unidade na manhã desta quinta-feira, dia 3, para conversar com a direção e acertar os detalhes da visita de acordo com a lei. No entanto, isso não ocorreu", pontuou.
Por fim, a direção da unidade reiterou que está à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos.
Para Lohama Machado, da Comissão de Combate às Discriminações da Alerj, a líder religiosa Iya Paula de Odé sofreu dois processos de intolerância.
"Cada vez mais fica claro que a Mãe Paula sofreu intolerância até na permanência do hospital, porque quando ela chega com a sua liturgia, com seus fios de conta, com a sua roupa de santo, com seu turbante na cabeça, ela é proibida e sequer consegue entrar na administração, sendo permitida só a advogada entrar. Ela teve ali dois processos de intolerância: o primeiro por estar vestida de santo, de estar vestida com suas guias, de entrar na administração; e o segundo foi quando ela como ministra religiosa é proibida de ter acesso ao seu filho de santo no leito de hospital", finalizou.
Em dezembro, a Comissão presidida pelo deputado Carlos Minc (PSB) fará uma audiência pública na Alerj para tratar sobre medidas cabíveis aos hospitais que não respeitarem a lei.